quinta-feira, 8 de outubro de 2009

quando a Cidade da Alegria chorou


Diferente dos outros dias, a terça-feira amanheceu nublada, com um clima ameno e pouco excitante. Desci do carro e percebi que tinha alguma coisa estranha, principalmente ao olhar a minha volta e ver todos se abraçando e se consolando, como se alguma desgraça tivesse acontecido. Fiquei sem entender de fato o que ocorrera naquela cidade pacata em que os moradores não se permitiam ter momentos de tristeza. Portas fechadas, gente lamentando, crianças sem compreender e pessoas rezando. Logo avistei a multidão e resolvi me aproximar, só pra saber o que tinha deixado a Cidade da Alegria tão triste assim. Andei um pouco e vi as pessoas chorando em volta de uma urna, onde se encontrava uma senhora de idade, de boa aparência e estática com um suposto sorriso em sua face. Alguns se desesperavam, enquanto um moço gritava “Vó, não me deixe!”. Outros pediam para o nosso Senhor que a levasse em paz. Fiquei um tempo assistindo aquilo tudo, observando como aquela pessoa era querida, e quanta gente chorava a sua perda. Ao lado, avistei pessoas sentadas se indagando, exigindo a explicação daquilo tudo; o porquê das coisas serem assim. Fiquei imaginando a dor dos netos daquela senhora; mas mais que isso, pensei na dor dos filhos e filhas ao verem a mãe indo embora, partindo de um mundo que não mais lhe pertencia. Sem perceber uma lagrima rolou em minha face e quando menos esperava aquela mesma pessoa que pedia para que a avó não o deixasse me abraçou fortemente e perguntou: “E agora Dri? É a minha avó!”. Estarrecida, preferi não falar, apenas o abracei. Sabia que palavras não adiantariam de nada, que somente restaram a dor e o abraço pra tentar nos confortar um pouco mais. Ele segurava uma rosa com um cartão que continha o nome de sua avó juntamente com uma mensagem; e dizia o quanto queria que ela fosse enterrada com aquela lembrança. Foi quando ele voltou para perto da falecida e a deu aquele presente que representava tanto amor. Depois disso, era hora de enterrar. Ninguém queria acreditar no que estava acontecendo. O neto que não se conformava; chorava descontroladamente e ao fechar a urna pedia para que abrisse ao menos uma parte que mostrava apenas o rosto de sua querida avó.
O enterro foi abaixo de chuva, já que naquele dia até o céu demonstrou sua tristeza. O cemitério que não era tão perto, não impediu que as pessoas que a amavam fossem até lá. Valeria tudo para que até o último momento ela fosse homenageada; era o mínimo que todos poderiam fazer. O cemitério era mal cuidado e o chão era o mais puro barro, contudo, as pessoas ainda assim se colocaram em volta do túmulo para escutar os discursos e jogar uma última rosa. Alguns se manifestaram com canções religiosas, mas bonito mesmo foi ao fim de tudo, quando todos que ali estava bateram palmas para aquela mulher que tinha batalhado tanto e que morrera de um infarto leve, daqueles bem devagar, sem sofrimento.
Depois de tudo a família voltou para casa dela. Feita de barro, teto de palha, fogão a lenha, um quintal com inúmeras espécies de plantas e uma horta imensa; tudo sempre muito natural. Ela era uma senhora de sorriso fácil, mas mal humorada quando alguém não a levava pra passear. Crítica que só ela, mas flexível quando os netos a acarinhavam. Filha de escravos, Salvina foi e para a família sempre vai ser uma guerreira. Sempre foi uma ótima pessoa e deixou na terra seus maiores fãs. Dentre todos estou eu, bisneta de Salvina a quem devo toda a minha história de vida, a quem eu agradeço todos os dias por ter constituído toda a minha família e ter lutado até o último segundo para que todos continuassem unidos.



Salvina morreu com 93 anos, e além de suas lembranças, conquistas e ensinamentos, deixou saudades para os seus filhos, netos, bisnetos e tataranetos. Salvina... eterna Vó Salvina.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

depois da chuva


Preferi deixar com que o tempo mostrasse o quão importante era esse sentimento que havia construído por toda uma vida. Me deixei levar pela correria e pela rotina. Desliguei o telefone várias vezes e quando me ligava em casa pedia pra falar que não estava. Fugi o tempo todo com medo de que me dissesse a verdade, com medo de que me enfrentasse e espalhasse na mesa todas as minhas ausências e inconseqüências. Não bastava dar o famoso end, eu queria realmente te tirar da minha vida achando que seria sim, o melhor pra nós. Depois que toda a chuva passou; vi o estrago que tinha feito. Olhei pela janela e vi folhas e árvores caídas ao chão, pessoas chorando e eu sem saber o que fazer, deitei pra dormir, para não pensar no pior. Descansei, mas mal lembrava que depois de dormir viria o outro dia. Depois de um tempo, abri os olhos e sentei a beira da cama. Comecei a sentir uma dor no peito, como se tivesse me faltando alguma coisa... Era a saudade, saudade de você, saudades daquilo tudo que passamos, da suas confissões, dos meus pseudo-desabafos, do seu jeito de mãe, da minha carência de filha, dos simples prazeres que tivemos juntas. E ao mesmo tempo em que a saudade apareceu o tal orgulho resolveu me acompanhar. Relutei comigo mesma para que não te procurar; para matar aquela falta que sentia de você. Queria que me ligasse e perguntasse como estava; queria que notasse a falta que sentimos uma da outra. Você não ligou; eu não liguei, e sempre que me deitava e pensava no outro dia já poderia imaginar você me procurando... Mas nem precisou disso. O tal destino nos enlaçou, e bastou um simples encontro para que todas as lembranças viessem à tona. Cabelo curto, rosto mudado. Sua voz soava levemente, os sapatos não eram mais os mesmos. Você agora falava gírias e eu continuava a mesma, usufruindo do vocabulário intenso e ao mesmo tempo fraco. Percebi que fazia tempo que não nos víamos, e que tampouco a gente tomava um sorvete juntas, mas fiquei feliz quando me disse:

-Obrigada por ser minha amiga, e apesar dos pesares, sempre estar comigo!
-Obrigada por existir!